O garçom que não gostava de alcachofras

Recentemente, estive em São Paulo para fazer um roteiro de gastronomia e avaliar os serviços de alguns restaurantes. Aproveitei a companhia do meu marido e um casal de amigos e comecei por um francês que ocupa lugar honorável na minha lista “Top 10”. Eu sabia que ali, não haveria surpresas. Entrei com aquele sorriso nos lábios que só quem já fez isso sabe do que se trata. Voltar a um lugar que você gosta, onde você sabe que o prato não irá decepcionar e acompanhada de pessoas agradáveis, é pra sorrir mesmo!

Sentei-me de frente para a parede grafitada por uma artista que amo, olhando aquele colorido e pensando no que comer. Percebi que o cardápio havia sofrido alguma alteração. Bom sinal, uma vez que o inverno estava batendo à porta e, naquela noite, eu chutaria uns 5graus.

O corpo em baixa temperatura e a fome gritando, optamos por um vinho que é o Montepulciano D’Abruzzo. Excelente para uma noite de friaca. É um vinho seco com notas de frutas vermelhas e um pouco de flores secas. Sua região é D’Abruzzo, na Itália. Uma região larga, onde há vários vinhos. Eu gostei de todos que provei. Apesar do restaurante ser francês, a carta de vinhos trazia boa variedade e como minha amiga é de família italiana, achei gracioso homenageá-la. “Show” foi a resposta do garçom à opção do vinho.

Para entrada, pedimos uma mini degustação de bruschettas. “Showww” vibrou o garçom ao escrever nosso pedido.

Começamos os pedidos: Meu marido dizia ao garçom as escolhas.

– Para a senhorita, disse olhando nossa convidada: um steak tartare ao molho Dijon.

– “Show” respondeu o garçom.

Expressão repetida que me chamou imediatamente a atenção.

– Para o senhor, apontou nosso convidado: um Confit de pato ao molho roisin.

– “Show”, respondeu ele enquanto anotava.

Meu marido me olhou antecipando minha angústia crítica à resposta efusiva e múltipla do nosso garçom simpático:

– a senhora vai querer um penne com alcachofras.

Aguardei o “show”, mas não houve. Ao invés disso, um pequeno silêncio se instalou enquanto ele me olhava segurando a caneta e o caderninho, quase me questionando se eu pediria realmente aquele prato…sustentei seu olhar (mentalizando o fundo da minha alcachofra gordo e macio e grande o suficiente para que eu pudesse arremessá-lo na cabeça do nosso adorável atendente) e antes que pudesse fazer algum comentário, meu marido disse:

– e para mim, um tornedor mal passado ao poivre vert.

O que se seguiu foi um entusiasmado “Show” …para o tornedor!!!

Os pratos estavam maravilhosos, sempre no melhor estilo cozimento-maciez-tempero, peculiar deste restaurante. Muita história contada na mesa, e momentos como esses que fazem com que a gente fortaleça laços, tão essenciais para a felicidade!

Hora de escolher a sobremesa: “show” em todos os pedidos sortidos de profiteroles, mousses e tarte tartin”.

Depois de ponderar muito, bradei “E para mim, um crème brûlée”. (creme queimado, na tradução) Olhei para ele. Estava na expectativa de ganhar meu “Show”! Show pela minha escolha da sobremesa mais clássica da cozinha Francesa! Aquela que recebe a última tostadinha do maçarico no açúcar, a que precisa de um bom chef para acertar o ponto do creme para não talhar! É aquela que traz o contraste do creme gelado embaixo com o açúcar quente e queimado em cima.

Aqueles olhos arregalados me encarando firmemente, aguardando uma, quem sabe, mudança de opinião? A mão inerte na caneta, sobre o caderninho.

Docemente, perguntei: Você não gosta de crème brûlée? Ele piscou, se recompôs e respondeu: sim, muito bom, senhora, excelente escolha. Mas o “Show”, esse, eu não ganhei.

Definitivamente, o garçom não gostava de alcachofras…

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